SOBRE COMER, CULPA E ECO

SOBRE COMER, CULPA E ECO

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Por Marcela Salim Kotait, nutricionista

Ontem estava passando em frente à TV e vi a chamada de um quadro de um programa famoso por falar de saúde intitulado “comidas que não engordam”. E a atração, acredito que semanal, traz dicas e receitas de saladas e sopas frias para o verão. “Comidas que não engordam…. comidas que não engordam…. comidas que não engordam….” ecoava na minha cabeça.

No mesmo dia, ao passar apressada pela banca de jornal, bati o olho em uma revista com os dizeres “saiba quais são os heróis da sua geladeira”. Abaixo, alguns alimentos citados pareciam ter sido escolhidos na edição deste mês. “Heróis da geladeira… heróis da geladeira… heróis da geladeira…” ecoava na minha cabeça.

Um pouco mais tarde acessei meu Instagram e vi uma foto de meio mamão papaia com aveia e um suco de cor verde com a legenda “olha só como é fácil ter o verdadeiro café da manhã saudável” com dezenas de likes (ou curtidas, caro tupi guarani). “Verdadeiro café saudável… verdadeiro café saudável… verdadeiro café saudável…” ecoava na minha cabeça.

Na hora do almoço, fui a um restaurante com meus amigos e no cardápio – assinado por uma fulana blogueira -, havia sugestões descritas como “fit”. A conversa que se podia ouvir das outras mesas (sim, das outras mesas, porque amigo meu já sabe que se rolar fat talk é tiro, porrada e bomba) era sobre compensar o pedaço de bolo do aniversário da noite anterior. “Fit… Fit… Fit…” ecoava na minha cabeça.

À tarde, fui ao cinema e me deparei com a saga de uma moça de mais ou menos uns 25 anos para decidir se pedia ou não pipoca. Ela resmungava com o namorado que o cheiro de pipoca e de manteiga (que me fascinavam tipo aquela fumacinha dos desenhos do pica-pau) era suficiente para engordá-la. “Cheiro que engorda… cheiro que engorda… cheiro que engorda…” ecoava na minha cabeça.

Na volta para casa, um carro vindo em alta velocidade quase me atropela. Quando olhei para o motorista, um adesivo enorme na porta do carro me chamou mais a atenção que o ocorrido: “Quer perder peso? Pergunte-me como.”. Enquanto as buzinas gritavam e o trânsito se formava até que eu passasse de vez para o outro lado da rua, “Perder peso… perder peso… perder peso…” ecoava na minha cabeça.

Ao chegar em casa, minha família estava reunida me esperando para decidir qual pizza pediríamos para encerrar nosso final de semana, enquanto compartilhamos nossos planos para a semana que começa. Ao pegar o cardápio da pizzaria me deparo com um adesivo colado na primeira página dizendo que caso preferisse outra versão da pizza poderia ser sem glúten e sem lactose, numa versão mais saudável. Não consegui, depois de perder alguns segundos olhando fixamente para aquele adesivo, escolher sabor mais rebuscado que a boa e velha e básica margherita. “Pizza sem glúten e sem lactose… pizza sem glúten e sem lactose… pizza sem glúten e sem lactose…” ecoava em minha cabeça.

Por fim, já quase dormindo em pé, enquanto assistia TV, o talvez mais visto programa do final do domingo dava dicas de como perder peso: “se você comeu demais, corra mais!” e a reportagem mostrava algo como o já desmascarado programa “The biggest loser”, ensinando as pessoas a terem comportamentos similares aos de transtornos alimentares. “Coma, mas corra… coma, mas corra… coma, mas corra…” ecoava na minha cabeça.

Será que apenas na minha cabeça essas frases ecoam? Será que é natural comer com culpa? Será que por causa da minha profissão isso parece mais forte? Se eu me sinto bombardeada por essas mensagens, será que a maioria das pessoas também não se sente afogada por isso? CHEGA! Vou dormir.

 

GENTA Grupo Especializado em Nutrição e Transtornos Alimentares e Obesidade

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